Cadeias de Valor Sustentáveis

Cadeia do pirarucu no Estado de Amazonas

O manejo comunitário do pirarucu (Arapaima gigas) é uma prática de uso sustentável e gestão participativa do recurso pesqueiro. A longo prazo, a prática garante a sobrevivência da espécie, a soberania alimentar e a renda das comunidades envolvidas no processo. Um extraordinário caso de conservação da biodiversidade!

Graças à atividade, o pirarucu voltou a habitar grande parte das várzeas amazônicas e não é mais uma espécie ameaçada de extinção. Como reflexo das iniciativas de manejo implementadas, os estoques de espécies como o tambaqui, o jacaré-açu, a tartaruga, o tracajá e o peixe-boi, entre outras, também aumentaram. Houve, portanto, uma melhora no estado de conservação dos ecossistemas nessas áreas.

Os lagos protegidos funcionam como um patrimônio para muitas famílias. Eles geram renda a partir da comercialização de parte dos estoques de pirarucu, o que proporciona uma melhoria na qualidade de vida das comunidades ribeirinhas, além de propiciar inúmeros benefícios aos diversos atores dos demais elos da cadeia de valor.

Regulamentação e etapas do manejo

A pesca do pirarucu é proibida durante todo o ano no Estado do Amazonas. Apenas o manejo realizado por comunidades tradicionais em áreas protegidas – tanto em terras indígenas (TI) quanto em unidades de conservação (UC) – e em áreas com acordos de pesca é legalmente autorizado. Essa regulamentação garante que as populações da espécie tenham potencial de aumentar mesmo com a pesca de muitos animais.

Entre as etapas do manejo, estão:

  • o planejamento:
  • o zoneamento dos ambientes manejados – que define quais lagos serão para a pesca comercial e quais se destinarão à subsistência e à reserva reprodutiva dos animais;
  • a vigilância desses ambientes contra invasores que praticam a pesca ilegal;
  • e a pesca, que ocorre durante apenas três meses do ano.

As comunidades manejadoras geralmente contam com organizações da sociedade civil que, há muitos anos, prestam assessoria e apoio para o manejo e a comercialização.

Uma história de desvalorização

Historicamente, a cadeia de valor do pirarucu no Amazonas apresenta um cenário injusto. Muitos grupos manejadores vendiam sua produção eviscerada por preços muito baixos para os atravessadores, esses forneciam para poucos frigoríficos, próximos de Manaus, que processam o pescado e vendiam com margens de retorno bem maiores.

Alguns fatores levam ao preço baixo pago ao manejador:

  • estrutura iniciante de pré-beneficiamento nas comunidades;
  • desafio logístico;
  • competição com o pirarucu proveniente da pesca ilegal disponível ao longo do ano todo; e
  • concentração de muita oferta nos três meses autorizados para a pesca do pirarucu de manejo.

Em muitos casos, o custo de produção do peixe manejado é mais alto do que a receita dos manejadores resultante da venda do peixe eviscerado.

União por uma cadeia de valor mais justa

O projeto Cadeias de Valor Sustentáveis trabalhou com seus parceiros (Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá -IDSM, Operação Amazônia Nativa – OPAN, Memorial Chico Mendes – MCM, Associação de Produtores Rurais de Carauari – Asproc e Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro – SindRio) para transformar a cadeia de valor do pirarucu no Amazonas.

A partir de um amplo diagnóstico realizado em 2016, foram traçadas estratégias de atuação coordenada pelos diversos atores em todos os elos da cadeia a fim de fortalecer os grupos manejadores, assegurar a sustentabilidade do manejo, modificar as relações comerciais entre manejadores e compradores, melhorar o preço pago pelo peixe ao manejador, aprimorar a qualidade do produto e buscar novos mercados.

Esse processo culminou na formação do Coletivo do Pirarucu, fórum composto por organizações de base comunitária que realizam o manejo do pirarucu e por organizações não governamentais de assessoria – com o apoio de organizações de governo como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que atuam na cadeia do pirarucu.

  • O Coletivo do Pirarucu representa 36% das áreas de manejo do pirarucu no Amazonas.

  • Nestas áreas de manejo são encontrados 33% do estoque de pirarucu e são pescados 39% dos pirarucus legalmente manejados no estado.

  • A comercialização desse pescado resulta em quase 50% da receita gerada para as famílias extrativistas pelo manejo do pirarucu no estado.

Gosto da Amazônia

A necessidade de conquistar novos mercados e um maior número de consumidores, valorizar o produto extrativista e o serviço ambiental prestado e gerar maiores benefícios comerciais aos extrativistas levou à criação do Gosto da Amazônia: Sabor que Preserva a Floresta. A iniciativa apoiada pelo Projeto Cadeias de Valor Sustentáveis desenvolveu uma marca e uma estratégia de organização coletivas para comercializar a produção.

O objetivo é comercializar o pirarucu manejado no mercado privado e acessar oportunidades que estejam vinculadas à execução de políticas públicas – como é o caso do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), nas suas modalidades de Compras Institucionais e Doação Simultânea, e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que tem por obrigação adquirir parte da alimentação escolar da produção da agricultura familiar.

Alguns resultados do trabalho coordenado das organizações do Coletivo do Pirarucu:

A Atuação da Asproc

A Asproc, com sede no município de Carauari, assumiu a liderança em um arranjo comercial que garantiu, em 2021, a compra de pouco mais de 300 toneladas de pescado, o que representa quase 9% de todo o pirarucu pescado legalmente no Amazonas.

A pesca foi realizada em oito áreas de manejo das calhas dos rios Solimões, Purus e Juruá, chegando a mais de 22% das áreas de manejo do peixe.

A venda foi feita por preços mais justos em relações comerciais firmadas em contrato, gerando uma receita para os manejadores que representa mais de 17% de toda a receita da comercialização do pirarucu.

Até 2020, essa associação comunitária terceirizava o serviço de processamento e beneficiamento do peixe eviscerado junto a alguns frigoríficos próximos de Manaus. Desde 2021, o frigorífico da Asproc instalado em Carauari passou a processar parte do pirarucu comprado por meio do arranjo comercial, reduzindo custo e garantindo maior controle desse elo da cadeia.

Resultados

Inicialmente, o mercado institucional de compras públicas no Estado do Amazonas era o principal mercado acessado pelo arranjo comercial. O aprimoramento da atuação das organizações comunitárias na cadeia e o desenvolvimento da marca coletiva Gosto da Amazônia permitiram a abertura de novos mercados no Brasil fora da Amazônia. Esses mercados pagam melhores preços, recompensando assim os valores ambientais e sociais agregados ao pirarucu selvagem de manejo sustentável do Gosto da Amazônia.

Em três anos de implementação da estratégia, o pirarucu passou a ser vendido para o mercado privado no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Recife e interior de Minas Gerais e São Paulo, com expectativas de representar a compra de 50% da produção da Asproc.

O investimento para aumentar a visibilidade do produto fora da Amazônia e a capacidade de remunerar melhor os manejadores fez com que os compradores tradicionais passassem a pagar melhor seus fornecedores. Essa mudança levou ao surgimento de outros arranjos comerciais, que passaram a divulgar os valores ambientais e sociais do manejo do pirarucu.

O projeto também apoiou o Coletivo do Pirarucu e as organizações que o compõem em intervenções relacionadas a políticas públicas. Hoje o pirarucu é um dos produtos previstos na Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio) no país e na política de preços mínimos do Estado do Amazonas.

A mobilização feita junto ao Ministério Público do Estado do Amazonas resultou na revisão para cima do preço de compra do PAA e do preço mínimo inicialmente definido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). As organizações de assessoria apoiaram o cadastramento de muitos manejadores e associações comunitárias para que fossem capazes de tirar a Declaração de Aptidão (DAP) ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para acessar os benefícios de subvenção federal e estadual, além torná-los aptos a acessarem diversas outras políticas públicas condicionadas ao registro.