Cadeias de Valor Sustentáveis

Arranjo inovador proporciona acesso a crédito ambiental para associação comunitária no Amazonas

Adriano Gambarini

ASPROC praticamente dobrou volume de produção do Pirarucu na última safra e o crédito foi fundamental

Por: Karoline Diniz

Conseguir empréstimos a juros baixos para capital de giro é fundamental para as associações de base comunitária na Amazônia que desejam manter seus negócios em operação. O capital de giro é um recurso essencial, pois permite que as organizações comprem a matéria prima que trabalham, dando segurança para os extrativistas produzirem com garantia que terão para quem vender. 

As associações de base comunitária têm desempenhado um papel vital no fortalecimento econômico e social na Amazônia, gerando impacto positivo nas comunidades em que trabalham. É o caso da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC), situada no médio Juruá, no Amazonas, a associação participa ativamente do manejo sustentável do pirarucu, viabilizando a comercialização do pescado de diversas comunidades indígenas e ribeirinhas da região.  

Na última safra da pesca do pirarucu, a Asproc teve acesso ao crédito ambiental da Conexsus, no valor de R$1 milhão. O empréstimo só foi possível, a partir do arranjo entre a Asproc, o Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS), a Conexsus e o Memorial Chico Mendes (MCM).

Segundo Gustavo Schutz, coordenador do Programa de Assessoria a Negócios Comunitários da Conexsus, a novidade frente a outros financiamentos foi a cobertura que o USFS fez de caução para possibilitar um aporte maior de crédito. “Esse arranjo é uma grande inovação, ele mostra que é possível usar recursos de projeto para alavancagem de crédito com recorte socioambiental. Esse recurso substituiu eventuais garantias reais que não seriam possíveis de serem ofertadas.”

O empréstimo garantiu o aumento da produção  da ASPROC na última safra. Em 2022, a associação viabilizou a comercialização de 440 toneladas de pirarucu, o que representou um aumento de 43% no volume de peixes em relação a 2021.

Segundo Adevaldo Dias, presidente do Memorial Chico Mendes e assessor da ASPROC, existe uma dificuldade de acesso a crédito com juros aceitáveis para produtores da sociobiodiversidade que precisam de capital de giro para rodar seus negócios. “Um dos desafios foi que a ASPROC não tinha experiência de acessar crédito e precisávamos de capital de giro. A flexibilização do USFS permitiu que a organização usasse o recurso do projeto que temos em parceria com eles e isso foi fundamental para o sucesso da operação. Também contamos com a sensibilidade da Conexsus para aceitar esse modelo que nunca havia sido praticado antes”, destaca Adevaldo.

O modelo representa um novo marco para a associação. O acesso a novos mercados que vêm sido trabalhados nos últimos anos, com o apoio de diversas parcerias e por meio do projeto Cadeias de Valor Sustentáveis, proporcionou aos pescadores um incremento na renda. “Aumentamos em 15% o valor pago pelo quilo do peixe aos manejadores”, comemora Adevaldo. 

Segundo Adevaldo, a experiência foi bem-sucedida em todos os quesitos. “Era para quitarmos o empréstimo em agosto e conseguimos antecipar todo o pagamento para março, com isso pagamos juros por menos tempo e já tivemos acesso ao crédito proveniente da caução que será investido em infraestrutura”. 

O volume de pescado do último ano representa o manejo do pirarucu em mais de 50 ambientes aquáticos no Amazonas. Além de contribuir com a conservação ambiental, essas iniciativas também ajudam a empoderar as comunidades tradicionais, uma vez que os manejadores e manejadoras ao serem melhor remunerados investem não só em suas famílias, mas também em suas comunidades.  Ao todo foram 842 famílias envolvidas no manejo do pirarucu em 2022, no arranjo comercial da ASPROC.

Junto com diversas parcerias que apoiam o desenvolvimento da cadeia produtiva do pirarucu no Estado, a ideia é expandir a comercialização do pescado no Brasil, estreitar os laços com as bases produtivas, aprimorar os processos de beneficiamento do peixe, melhorar a infraestrutura de processamento e a capacidade comercial.

Segundo Pedro Constantino, coordenador de projeto do USFS, o desafio de acessar crédito para rodar os empreendimentos de base comunitária é um dos grandes entraves na Amazônia. “O USFS já vem a algum tempo tentando buscar soluções para esse gargalo que é um dos maiores desafios ao longo das cadeias de valor de produtos extrativistas. Não tínhamos conseguido até o momento um avanço relativo à parte de crédito. Essa é uma experiência muito exitosa e que está dentro do escopo de atuação do USFS ao longo de todas as cadeias produtivas que trabalhamos. Sem dúvida serve de modelo para outras experiências”.  

Mas não para por aí!

O objetivo é apoiar as associações de base comunitária a acessarem créditos subsidiados pelo governo, como é o caso do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Ele funciona como financiamento, com juros baixos, para custeio e investimentos em implantação, ampliação ou modernização da estrutura de produção, beneficiamento, industrialização e de serviços no estabelecimento rural ou em áreas comunitárias rurais próximas, visando à geração de renda e à melhora do uso da mão de obra familiar.

“Nosso desafio é tentar encontrar soluções para que associações de base comunitária tenham acesso ao crédito por meio de políticas públicas. A construção desses mecanismos de financiamento é importante para responder às demandas atuais dos empreendimentos comunitários”, destaca Pedro Constantino.

Gustavo Schutz salienta a importância de se pensar novas soluções. “Acho que foi uma iniciativa extraordinária para fortalecer esse portfólio de soluções financeiras que a gente busca apresentar para as organizações. Ainda mais nesse contexto em que acessar os créditos convencionais subsidiados por políticas públicas é tão difícil, um passo tão longe para muitas organizações. Se a gente sabe que o crédito do Pronaf pode vir, mas vai demorar dois ou três anos, é importante encontrarmos soluções que atendam as demandas atuais. Foi para isso que a gente fez esse crédito nesse arranjo inovador”.

Serviço Florestal dos Estados Unidos

Há mais de 20 anos, o Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS) – Programas Internacionais – trabalha em parceria com o governo brasileiro para abordar questões cruciais sobre o uso e conservação dos recursos naturais do Brasil, compartilhando conhecimentos e experiências entre os países.

Em conjunto com as organizações parceiras, o USFS atua desde 2015 para gerar benefícios socioeconômicos e aprimorar ferramentas para que as populações da Amazônia possam aumentar a governança sobre os recursos naturais em seus territórios. Promovendo, assim, a proteção territorial e o desenvolvimento econômico da floresta de modo sustentável.

O trabalho é feito para superar os desafios em todos os elos da cadeia de valor de quatro produtos extrativistas, principalmente: a castanha-da-Amazônia, o açaí, o pirarucu de manejo sustentável e a madeira de manejo comunitário.

Conexsus

A Conexsus Investimentos Socioambientais (CX Investimentos) é um negócio social – não distribui dividendos, fundado em 2020, e integralmente detido e controlado pela Conexsus, que atua como estruturador de veículos e produtos de finanças híbridas e gestor de capital catalítico para o desenvolvimento sustentável, e inclusivo, das cadeias da bioeconomia florestal em todos os biomas brasileiros.

Estruturadora de produtos e projetos de crédito do portfólio, a CX Investimentos tem um papel fundamental na originação e gestão de risco, assegurando altos níveis de compliance, viabilidade financeira e impacto socioambiental.

ASPROC

A Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC) foi criada em 1994 pelo movimento de extrativistas que se uniram para lutar contra um sistema imposto de exploração econômica, social e ambiental na região do Médio Juruá, Amazonas. Com a criação da ASPROC, os extrativistas da região passaram a se mobilizar pela conquista e gestão do próprio território, que até então, estava sob domínio dos patrões da seringa.

Desde sua criação, a ASPROC tem representado, por meio de uma gestão participativa, os interesses das populações tradicionais no Médio Juruá pela melhoria da qualidade de vida com a garantia de direitos sociais.

A gestão participativa com a organização social das comunidades foi uma estratégia para promover o desenvolvimento econômico e social da região. E atualmente, é possível fazer a cogestão dos recursos naturais de grande importância sociocultural por meio do desenvolvimento de cadeias de valor da sociobiodiversidade, como é o caso do manejo do pirarucu sustentável e da cadeia da borracha.

Memorial Chico Mendes 

O Memorial Chico Mendes (MCM) foi criado no dia 12 de julho de 1996 pelo Conselho Nacional dos Seringueiros, atualmente Conselho Nacional das Populações Extrativistas, (CNS) com o objetivo de divulgar, em nível nacional e internacional, as ideias e a luta de Chico Mendes, além de apoiar as comunidades agroextrativistas do Brasil. O MCM é pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, constituído na forma de associação, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), com sede e foro em Manaus (AM).

O Memorial é uma entidade que fornece assessoria técnica ao movimento social dos extrativistas. Suas finalidades são defender o meio ambiente, valorizar o legado, as ideias e a luta de Chico Mendes e promover o desenvolvimento sustentável das comunidades extrativistas da Amazônia e de outras regiões do Brasil. O foco de suas ações é apoiar o fortalecimento da organização dos povos da floresta, a execução de projetos demonstrativos locais e a influência sobre as políticas públicas regionais e nacionais.

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